Um Setor Sem Monitoramento: Concorrência Desleal nas Apostas
Elephant Bet, Premier Bet e 888 Bet estão entre as empresas que se destacam pela concorrência desleal.
A Inspeção-Geral de Jogos (IGJ) recebeu uma denúncia em junho de 2023, mas até agora não ofereceu uma resposta.
O país tem visto um aumento no número de casas de apostas e jogos de diversão, mas nem todas cumprem com suas obrigações fiscais, causando prejuízos ao Estado que podem chegar a milhões de meticais. Esse cenário se desenvolve sob a inação da IGJ e da Autoridade Tributária (AT). Um estudo de um dos principais operadores do setor, ao qual o Evidências teve acesso, revela que de várias casas de aposta, apenas duas pagam a retenção de impostos sobre os prêmios ao Estado. O Evidências possui documentos que foram enviados à IGJ e AT, detalhando a prática de concorrência desleal, mas essas entidades não se manifestaram.
Reginaldo Tchambule
A Indústria de Jogos de Sorte e Entretenimento (JSE) movimenta milhões de meticais diariamente, impulsionada pela crescente participação dos moçambicanos de diversos perfis sociais, atraídos por prêmios atraentes oferecidos em jogos físicos e virtuais, que têm se tornado cada vez mais populares.
De acordo com o Decreto nº 17/2012, de 5 de julho, e a Lei nº 9/2012, de 8 de fevereiro, os operadores são legalmente obrigados a reter 15% dos prêmios em dinheiro pagos aos jogadores e repassar essa quantia para as autoridades competentes.
As estimativas indicam que os jogos de sorte e entretenimento deveriam gerar mais de 20 milhões de meticais mensais em impostos retidos na fonte pela Autoridade Tributária, considerando apenas jogos rápidos e virtuais, como o conhecido Aviator, sem contabilizar as apostas esportivas.
Uma análise realizada pelo Evidências revelou que o Estado pode estar perdendo uma parte importante da arrecadação fiscal relacionada à indústria de jogos e entretenimento. Isso ocorre porque muitas casas de apostas não estão aplicando a retenção na fonte em jogos rápidos, virtuais e multiplicadores.
Além das perdas financeiras para o Estado, que deixa de coletar uma quantidade significativa de receitas correspondentes às retenções que deveriam ser feitas sobre os prêmios, essa evasão fiscal contribui para uma concorrência desleal.
Com o intuito de entender melhor o impacto das casas de apostas na economia e na vida dos cidadãos, nossa reportagem coletou informações de jogadores de diversas plataformas. Os dados indicam que muitos deles conseguiram ganhos atrativos sem o desconto do imposto estipulado por lei, levantando preocupações tanto sobre a concorrência desleal no setor como sobre possíveis atividades ilícitas, como a evasão fiscal e o branqueamento de capitais.
“Casas de apostas que operam sem a obrigatoriedade de impostos sobre os prêmios oferecem vantagens competitivas consideráveis em relação àquelas que cumprem as normas fiscais. Isso cria um cenário desigual para os operadores que atuam legalmente, comprometendo a transparência e a conformidade com as leis”, destacou um dos gerentes de uma casa de apostas. Ele ressaltou que essa desigualdade pode levar um número crescente de apostadores a migrar para plataformas não regulamentadas.
Elephant Bet, Premier Bet e 888 Bet destacam-se entre as empresas envolvidas em práticas de concorrência desleal.
Uma fonte da Autoridade Tributária de Moçambique revela que a falta de supervisão rigorosa nesse setor cria um ambiente propício para atividades ilícitas, como a lavagem de dinheiro, em um momento em que o país busca sair da lista cinza do GafiM.
De acordo com um especialista consultado pelo Evidências, a ausência de mecanismos de controle adequados possibilita que recursos originados em atividades ilegais sejam disfarçados por meio de ganhos de apostas, o que compromete a integridade do sistema financeiro.
Entre as organizações que não aplicam o imposto de retenção na fonte em suas operações de jogos rápidos e/ou multiplicadores, como o popular Aviator, estão a Elephant Bet, Premier Bet e 888 Bet, que desfrutam de uma vantagem competitiva desleal em relação a outros operadores.
Capturas de tela obtidas pelo Evidências revelam que o Imposto de Retenção na Fonte não está sendo aplicado, uma situação que tem sido tolerada por órgãos estatais responsáveis por assegurar o cumprimento da legislação, especialmente pelo Decreto nº 17/2012, de 5 de Julho, em conjunto com a Lei nº 9/2012, de 8 de Fevereiro.
A Inspeção-Geral de Jogos (IGJ) recebeu uma reclamação em junho de 2023, mas ainda não apresentou uma resposta.
No dia 29 de junho de 2023, um dos operadores do setor reportou à IGJ sobre práticas de concorrência desleal. Entretanto, até o fechamento desta edição, ainda não houve qualquer retorno sobre o assunto.
A Autoridade Tributária tem demonstrado indiferença em relação às casas de apostas que não estão em conformidade com as leis vigentes. Isso ocorre mesmo após avisos sobre a perda significativa de receita, que podem ultrapassar dezenas de milhões de meticais, valores que deveriam ser revertidos aos cofres públicos.
Informações apuradas pelo Evidências indicam que a Betway, uma das poucas empresas em conformidade, enviou uma notificação à Autoridade Tributária a respeito da concorrência desleal. Entretanto, até o momento, nenhuma medida foi tomada para conter essa prática no segmento de jogos, como no caso do Aviator.
O Evidências também fez contato com a Autoridade Tributária buscando esclarecimentos sobre a situação fiscal das casas de apostas, os procedimentos de controle relacionados à retenção de 15% dos prêmios, bem como os potenciais riscos de evasão fiscal no setor de jogos e entretenimento. Fomos informados de que os responsáveis ainda estão se atualizando sobre o tema, e que a instituição se manifestará ao longo desta semana.
Por outro lado, também entramos em contato com a Inspeção-Geral de Jogos, através do seu inspector geral, António de Almeida, que se encontra fora de Maputo em uma missão de trabalho. Ele solicitou que enviássemos as perguntas por escrito, o que foi realizado. Assim que houver respostas para as seis questões, faremos o acompanhamento apropriado.
Aviator: um jogo que drena recursos sem beneficiar o Estado
Entre os jogos que as casas de apostas utilizam para gerar milhões, sem repassar nada ao Estado, destaca-se o Aviator, popularmente conhecido como "aviãozinho". Este jogo eletrônico é especialmente atraente para os jovens em Moçambique, que enxergam nele uma forma rápida de aumentar seu capital.
Além de estar ligado à evasão fiscal, o Aviator causa controvérsias devido à sua associação com o aumento das taxas de suicídio, especialmente entre jogadores jovens. A profissão policial é uma das mais afetadas por essa triste realidade.
É importante mencionar que, enquanto a Autoridade Tributária (AT) e a Inspeção Geral das Atividades Econômicas (IGJ) ignoram as irregularidades das casas de apostas, o Estado continua a perder milhões em impostos, recursos que poderiam ser investidos em serviços públicos essenciais.