Por Alves Manjate, Docente de Direito Internacional, Universidade Pedagógica de Maputo
O desmantelamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) tem gerado intensos debates sobre os impactos globais da decisão e suas implicações para a influência americana no mundo.
Em diversos países, como Moçambique, Gana, Nigéria e África do Sul, há grande preocupação com a possível interrupção de programas essenciais voltados para a saúde materno-infantil e o combate a doenças como malária, tuberculose e HIV. Já no Mali, Afeganistão e Haiti, o futuro de projetos educacionais e de assistência humanitária permanece incerto. A situação também afeta o apoio a refugiados em nações como Colômbia, Líbano e Jordânia, aumentando riscos para a estabilidade regional. Além disso, programas de preservação ambiental e combate ao tráfico de drogas em países como Brasil, Indonésia e Peru podem sofrer cortes severos.
O impacto da decisão se estende a zonas de conflito como Sudão, Somália, Síria, Iémen e Ucrânia, onde milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária para sobreviver.
A USAID e o Soft Power Americano
A USAID foi criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy como um instrumento estratégico dos EUA para promover desenvolvimento, fortalecer alianças e contrabalançar a influência soviética durante a Guerra Fria. Ao longo das décadas, a agência se consolidou como uma ferramenta essencial da diplomacia americana, contribuindo para estabilidade institucional e progresso econômico em várias partes do mundo.
O conceito de soft power, formulado por Joseph Nye, descreve a capacidade de um país de influenciar outros sem recorrer à força militar ou coerção econômica. Durante o século XX, os Estados Unidos consolidaram sua posição global combinando poder militar com iniciativas humanitárias e diplomáticas. Programas como o Plano Marshall, a reaproximação com Cuba e o acordo nuclear com o Irã são exemplos de como a ajuda externa se tornou parte essencial da política externa americana.
No entanto, a decisão de dissolver a USAID reflete uma mudança na estratégia internacional dos EUA, priorizando interesses internos sobre o envolvimento global. Esse movimento se alinha à política isolacionista de "America First", adotada durante o governo Trump, que argumenta que os gastos com assistência externa não beneficiam diretamente os cidadãos americanos.
Os Efeitos Geopolíticos da Dissolução da USAID
O encerramento da USAID pode representar uma perda significativa para a projeção internacional dos EUA. Apesar de consumir menos de 1% do orçamento federal, a agência desempenha um papel crucial na manutenção da influência americana no cenário global.
A decisão, no entanto, não será simples de implementar. A USAID foi estabelecida por uma ordem executiva e consolidada pelo Congresso dos EUA, o que significa que sua dissolução exigiria aprovação legislativa. Mesmo com o domínio republicano no Congresso, há resistência à medida, especialmente entre aqueles que consideram a assistência externa um elemento essencial da segurança nacional.
Alternativas menos radicais incluem a fusão da USAID com o Departamento de Estado, seguindo o modelo britânico, que integrou seu departamento de desenvolvimento ao Ministério das Relações Exteriores. No entanto, essa mudança diminuiria a independência da agência e alteraria a maneira como os EUA exercem influência no exterior.
O Vazio Deixado e o Avanço de Outras Potências
A retirada dos EUA desse cenário pode abrir espaço para outras potências, como China e Rússia, expandirem sua influência. A China, por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota, tem investido bilhões em infraestrutura e consolidado alianças estratégicas, enquanto a Rússia vem fortalecendo sua presença em países vulneráveis por meio de apoio militar e econômico.
Moçambique, por exemplo, recebeu mais de 664 milhões de dólares da USAID em 2023, sendo o país lusófono mais beneficiado. Desde a criação do escritório da agência em Maputo, em 1984, a assistência americana tem sido fundamental para o desenvolvimento do país em setores como saúde, educação e segurança alimentar. A ausência desse apoio pode comprometer avanços conquistados ao longo de décadas.
Conclusão
O destino da USAID dependerá da dinâmica política nos Estados Unidos e da disposição do país em manter a assistência externa como um pilar de sua política internacional. Se o desmantelamento da agência for concretizado, os EUA podem perder uma de suas mais valiosas ferramentas de projeção de poder, deixando uma lacuna que outras nações estarão prontas para preencher. O futuro da influência americana no mundo está, portanto, em um momento decisivo.