“O meu marido morreu uma semana depois de ser atingido. O médico deu-lhe alta, mas assim que chegamos a casa, ele não resistiu”, lamenta Inês, ainda de luto.
Na noite de 9 de dezembro, Belmiro, fora de serviço e à paisana, foi alvejado ao chegar à sua residência. Segundo a versão oficial, ele teria sido atingido por balas perdidas durante uma operação policial contra manifestantes no Bairro Luís Cabral. No entanto, Inês descreve outra realidade:
“Ele estava a abrir o portão quando um polícia o abordou. Ele ajoelhou-se, identificou-se como colega, mas foi acusado de estar entre os manifestantes. Dispararam mesmo assim”, recorda a viúva, relatando que os tiros também atingiram uma janela da casa.
Após dias de internamento, Belmiro, de 34 anos, não resistiu. Os médicos informaram que fragmentos das balas estavam espalhados pelo seu peito. “Ele era, antes de tudo, um ser humano. Pediu para não atirarem, mas dispararam na mesma”, desabafa Inês.
Dois meses após a tragédia, a viúva tenta recomeçar, mas enfrenta dificuldades financeiras. Sem apoio contínuo, vive agora com familiares a mais de 50 km de Maputo, sustentando-se com um pequeno negócio.
A Associação Moçambicana de Polícias confirma que dezenas de agentes perderam a vida nos últimos meses, alguns mortos em retaliação por comunidades que descrevem a atuação policial como repressiva. “Muitas mulheres ficaram viúvas e crianças órfãs”, lamenta Nazário Muanambane, presidente da associação.
Dados do Comando-Geral da Polícia, atualizados em 27 de janeiro, indicam que 17 polícias morreram e 187 ficaram feridos nos protestos, que também resultaram na destruição de 77 comandos distritais.
Desde outubro, Moçambique vive uma onda de manifestações e paralisações desencadeadas pela contestação aos resultados eleitorais que deram vitória a Daniel Chapo, da FRELIMO. Além das questões políticas, os protestos refletem o descontentamento popular com o aumento do custo de vida e outras dificuldades sociais.
O impacto da crise é brutal: segundo a plataforma Decide, ao menos 327 pessoas morreram, incluindo menores, e cerca de 750 foram baleadas nos confrontos. Enquanto isso, viúvas como Inês seguem na luta diária para sobreviver sem aqueles que perderam na linha de fogo.